03 abril, 2009

Pequenas doses de lirismo

Vou explicar.
Na fabico tem duas cadeiras onde produzimos revistas, as duas sob supervisão do professor Ungaretti: 3X4 e Sextante.

Fiz a 3X4 em 2007 e o texto você pode encontrar aqui. A Sextante eu fiz no segundo semestre do ano passado e o texto está aqui, agora, aí embaixo.

Mas espera, vou explicar o tema.
Enquanto na 3X4 o tema foi super empolgante, estranhezas, o tema da sextante foi o mais lame possível, perfis [sim, perfis, aquilo que você encontra até na caras].

Mas eu acho que consegui dar um viés interessante nesse tema: fiz um perfil, meio gonzo, de uma prostituta de luxo. Com direito a segurança cuidando as entrevistas, nada de fotos, nome e local de trabalho.

E para finalizar, esse texto não teria saído sem a ajuda de algumas pessoas anônimas, então, obrigada. Sem eles eu não teria entrevistado sem desenbolsar uma grana.

Em seguida, as páginas da Sextante escaneadas.
Mais abaixo, o texto original, antes dos cortes.




Pequenas doses de lirismo.

Qual a diferença entre o jornalismo e a poesia?
Algumas doses de lirismo.

E qual é a diferença entre a virgem e a prostituta?
Algumas doses de lirismo. Lirismo dos olhos de quem as lê.

No século XIX, Honoré de Balzac escreve "Ilusões Perdidas" e mostra uma sociedade em plena fase de transição. O jornalismo era [e não foi sempre?] a grande prostituta da literatura. O jornalismo era um meio de obter dinheiro fácil enquanto o escritor, a prostituta, vendia sua alma na espera de encontrar sua alma gêmea, a literatura. Lutando entre as páginas para esconder, em meio a pedaços da realidade, um pouco de lirismo.

"- Você liga então importância às coisas que escreve? - perguntou-lhe Vernou com ar de zombaria. - Mas nós somos negociantes de frases e vivemos de nosso comércio. Quando você quiser fazer uma grande e bela obra, um livro, enfim, poderá colocar nele os seus pensamentos, sua alma, amá-lo, defendê-lo; mas artigos, lidos hoje e amanhã esquecidos, esses não valem a meus olhos senão aquilo que por eles nos pagam".
(Trecho de Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac)

Já a prostituta de Balzac, vendia o corpo, mas nunca sua alma. A mulher prostituta, diferentemente do escritor prostituta, não era vítima. Ela podia extravazar todo seu lirismo por entre as pernas e bolsos de seus homens, sem esconder-se nem envergonhar-se jamais.

No século XXI, já não baixamos mais os olhos para a prostituição do jornalismo, pelo contrário, convivemos diariamente com ela, ao nosso lado. Mas e a outra prostituta?

Se o lirismo entre as pernas perdeu seu encanto você descobrirá por si só.

Mirian* abriu seus olhos para o mundo em maio de 1987, era uma tarde chuvosa em um hospital de Porto Alegre. Três pessoas olhavam amavelmente para o rosto redondo e os grandes olhos azuis que acabavam de abrir: o pai, a mãe e a irmã mais velha. Do hospital ela foi para a casa de 3 pisos na Zona Sul, olhou o jardim, a garagem, um outro carro na garagem, um cachorro, a TV, as escadas, o quarto roxo e o berço de madeira branca.

Os brinquedos, videogame, livros, filmes e roupas de grife vieram um tempo depois, junto com a matrícula na escola particular da mesma zona sul.

Mirian nunca precisou preocupar-se com nada. O lanche já estava pronto quando acordava, a empregada fazia o melhor café com leite do mundo. O banheiro tinha aquecimento. Com as roupas o único problema era na hora de escolher, eram muitas opções. A mãe, que era professora, dava carona até a escola. Os colegas gostavam das pessoas bonitas e ricas que, sempre, eram as mais populares. Os cabelos lisos e de um tom loiro escuro eram alvo de inveja e admiração. Os grandes olhos azuis ficavam maiores a cada ano, tamanha a atenção que provocavam. A pele cresceu sem conhecer mancha alguma. O corpo era aquele esquema: peito 90, cintura 60, quadril 90, distribuídos pelos seus 165 de altura, perfeito.

Ela cresceu com todas as facilidades e vantagens que qualquer garota pode querer e aos 14 anos conheceu um pouco de lirismo. Era um homem mais velho, 25 anos, publicitário. Óculos de armação invisível, olhos pretos, cabelo preto, barba preta. Vinha de São Paulo. Filho do amigo do pai. Aconteceu em casa, durante um jantar, na terceira vez em que eles se encontraram.

"Homens mais velhos, principalmente com gurias mais novas, tem segurança na transa. E experiência também. Nunca fiquei com homens mais novos, a partir desse dia eu tive certeza de que só queria homens mais velhos."

As amigas, que namoravam os garotos da escola, apresentavam para a família e andavam de mãos dadas pelo Parcão reclamavam da falta de jeito, da vergonha, de não ter orgasmos. Mirian não.

Apesar da pouco idade, para ela, não era difícil conhecer homens mais velhos, sua beleza precedia qualquer apresentação. A discrição permitia que ela continuasse sendo uma boa filha. A dedicação fazia dela uma boa aluna. E o sexo com homens mais velhos fazia dela uma muher feliz.

De tanto conhecer homens mais experientes, Mirian acabou convivendo naturalmente com pessoas mais velhas, o que, para seus pais, era motivo de orgulho, mostrava amadurecimento. Essa confiança dos pais fez com que ela começasse a frequentar a noite aos 16 anos. Em uma dessas noites, já com 17 anos, ela foi apresentada para um administrador, 32 anos, casado, 2 filhos, loiro, alto, olhos azuis, barba por fazer, óculos de armação invisível, lindo. Do restaurante eles foram para um pub, do pub para um apartamento e do apartamento para o hotel.

Na manhã seguinte, por entre os lençóis de linho branco, ela encontrou, além de suas roupas, duas notas de cem reais. Mas o administrador, 32 anos, casado, 2 filhos, loiro, alto, olhos azuis, barba por fazer, óculos de armação invisível, lindo, já não estava mais lá.

Ao contrário do que poderia acontecer com a maioria das mulheres, a garota de 17 anos não se sentiu ofendida. Não havia sentimento, a relação era física. Ela gostou. O dinheiro foi só mais um orgasmo. Vestiu-se, pegou os duzentos reais, colocou na carteira e seguiu em direção ao Shopping Iguatemi. Lá ela entrou em uma loja de roupas e gastou, na mesma hora, cem reais em uma blusinha.

Não que ela precisasse do dinheiro. Sua família sempre deu tudo que ela precisava. Inclusive amor e atenção. Da blusinha? Também não, seu guarda-roupas devia ter, no mínimo, umas 30 delas.

O que ela precisava era de.... Não sei, nem mesmo ela sabe hoje, aos 21 anos.
O fato é que esta garota passa uma tranquilidade e um domínio dificeis de encontrar em pessoas muito mais velhas e experientes.

"No dia seguinte resolvi contar para a Dani*, minha amiga, que na época tinha 23 anos. A Dani fez alguma piadinha sobre eu ser uma prostituta de luxo. Na hora eu ri."

Meses depois ela e seus grandes olhos azuis estavam diante de sua futura agente, ou cafetina, assinando um contrato de seis meses que lhe renderiam, pelo menos, 500 reais por semana no futuro.

"Para mim, sexo sempre foi algo muito simples. Nunca me envolvi emocionalmente com ninguém. Nunca sequer senti vergonha de ninguém. O simples ato já me dá prazer, independente da pessoa ser alta ou baixa, gorda ou magra."

Aos 18 anos essa garota linda, rica, boa aluna, amada pelos pais, admirada pelos colegas, graduanda em direito, entrava no mundo da prostituição. A prostituição, que sempre nos foi mostrada como algo tão feio e sujo - o submundo, das subpessoas, da subvida - para ela é lírico. Mas por que?

Para mim, foram altas doses de lirismo dos olhos dessa moça objetiva, sem entraves.

Ela não precisa de dinheiro, ela não precisa esquecer da realidade, ela não precisa de amor. Ela quer. Ela gosta. Ela é feliz.

Por fora Mirian tem cara de santa. Por dentro Mirian tem alma de puta.
Qual das duas você prefere ou quer ver?
Depende da sua dose de lirismo.

*nomes fictícios

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