09 abril, 2008

ENTRE A BELEZA E O GROTESCO


Pessoal gostou e está pedindo, então vou postar novamente a matéria do Queer Fiction que foi publicada na 3X4. E uma das fotos que não entrou na matéria.

Enjoy!


ENTRE A BELEZA E O GROTESCO
O comportamento estético e o anarquismo erótico do projeto Queer Fiction


“A sexualidade, qualificada de imunda, de bestial, é mesmo o que mais se opõe à redução do homem à coisa...” (Bataille em O Erotismo)

A sexualidade humana é desconcertante, nunca conseguimos examiná-la, olhá-la, sentí-la sem uma certa inquietação, principalmente quando as manifestações sexuais fogem dos padrões convencionais. As formas alternativas de expressão do erótico, que escapam da indústria cultural pornográfica, são vistas com um misto de curiosidade e repugnância, em uma constante alternância entre o belo e o grotesco. O pervertido é visto como fantasma, como patologia, da sociedade comtemporânea.

“... o que se retira é justamente o fantasma, o conjunto de significâncias e subjetivações. A psicanálise faz o contrário: ela traduz tudo em fantasmas, comercializa tudo em fantasmas, preserva o fantasma e perde o real no mais alto grau...” (Deleuze e Guattari em Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia – Volume 3)

A sociedade, de modo geral, é hipócrita, julgando nosso caráter pelo que fazemos em nossa vida privada, em nossa interioridade, pela nossa sexualidade. Escritores como Georges Bataille, Gilles Deleuze e Michel Foucault já propuseram uma nova visão da sexualidade, uma sexualidade como posicionamento político, que é intrínseca e faz parte de nossa animalidade, possuindo uma violência natural que é interditada pelas regras e padrões do mundo do trabalho, da psicanálise e da religião.

“... em oposição ao trabalho, a atividade sexual é uma violência que, enquanto impulso imediato, poderia perturbar o trabalho: uma coletividade laboriosa, no momento do trabalho, não pode ficar à sua mercê.” (Bataille em O Erotismo)

Mostraremos uma forma de reavaliar os conceitos que determinam o que é ou não belo, vamos romper com o significado, transgredir os tabus, ir além da expressão erótica dominante, livrar-se do horror a determinadas formas do uso do corpo. O belo, aqui, transcende as categorias estéticas convencionais mostrando um projeto visual que subverte as formas de uso do corpo: o Queer Fiction.

“O interdito e a transgressão respondem a esses dois movimentos contraditórios: o interdito intimida, mas a fascinação introduz a transgressão...” (Bataille em O Erotismo)
“Assim, ele oscila entre dois pólos: de um lado, as superfícies de estratificação sobre as quais ele é rebaixado e submetido ao juízo e, por outro lado, o plano da consistência no qual ele se desenrola e se abre à experimentação.” (Deleuze e Guattari em Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia – Volume 3)

O TERMO “QUEER”
O termo está relacionado com toda modalidade de sexualidade que escapa do convencional, não se restringindo somente ao homossexualismo, como muitos acreditam. Queer é uma forma de experiência radical da sexualidade, que não depende e não reivindica a tolerância e aceitação dos "normais". Ele pode ser utilizado para classificar toda e qualquer manifestação erótica que não se encaixa no padrão domintante – o heterossexual. A idéia principal é romper com qualquer identidade sexual fixa.

“O erotismo é na consciência do homem aquilo que põe nele o ser em questão.” (Bataille em O Erotismo)

QUEER FICTION
Queer Fiction é um projeto que existe há cerca de cinco anos e foi formado por um grupo de pessoas com afinidades quanto à temática queer, que procuravam dar visibilidade a todas as manifestações eróticas que não encontram espaço na representação convencional do desejo e da sexualidade. Havia uma lacuna no campo estético do erótico e o grupo surgiu com a intenção de preenchê-la.

“O erotismo é, de forma geral, infração à regra dos interditos: é uma atividade humana(...) O sentido último do erotismo é a fusão, a supressão do limite.” (Bataille em O Erotismo)

O suporte escolhido para construir esse tipo de narrativa combativa foi a fotografia e o audiovisual. No início o trabalho restringia-se apenas à fotografia, neste ano o grupo fez seu primeiro trabalho em vídeo e em outubro finalizaram o terceiro, Filthy, sem abandonar as produções fotográficas. Os dois primeiros vídeos foram concebidos a partir de uma linguagem experimental, o primeiro enfocando o tema do sadomasoquismo e da dominação, e o segundo a relação entre a experiência erótica e a religião, com inspiração na obra de Bataille. Existem mais três projetos em fase de produção.
O Queer Fiction já realizou exposições em São Paulo, especialmente junto ao Projeto Luxúria – festa com performances eróticas, de temática fetichista, organizada pelo estilista Heitor Werneck – e também em Santa Catarina, Rio de Janeiro e Santa Maria. Em Porto Alegre, costumam realizar intervenções e exposições junto à festa Lasciva, no Club Neo. As produções são sempre realizadas e assinadas pelo grupo, são coletivas.
O trabalho não restringe-se apenas ao plano estético. As plataformas visuais – fotografia e vídeo – não são um fim, mas sim o meio pelo qual eles buscam posicionar-se. Não é simplesmente arte visual, mas sim conceito. Através da estética o grupo busca propôr uma reflexão que se infiltre e contamine a concepção do erotismo dominante. O Queer Fiction não quer somente excitar, mas sim perturbar.
A escolha é sua.

“Se experimentamos esse medo, nós o sabemos, é para responder à vontade inscrita em nós para exceder os limites. Queremos escedê-los e o horror sentido significa o excesso a que devemos chegar, a que, se não fosse o horror prévio, não poderíamos ter chegado.” (Bataille em O Erotismo)

“Com seu trabalho, o homem edificou o mundo racional, mas sempre subsiste nele um fundo de violência. A própria natureza é violenta e, por mais comedidos que sejamos, uma violência pode nos dominar de novo, que não é mais a violência natural, a violência de um ser racional que tentou obedecer, mas que sucumbe ao movimento que ele mesmo não pode reduzir à razão.” (Bataille em O Erotismo)

De Lucilene Cobalchini, baseado nas entrevistas com o grupo Queer Fiction.
Trechos destacados retirados dos livros:
O Erotismo, de Georges Bataille
Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia – Volume 3 (Capítulo 1: Como criar para si um corpo sem órgãos), de Gilles Deleuze e Félix Guattari

Contatos Queer Fiction (para informações ou compra de DVDs): queer.fiction@hotmail.com ou pela comunidade do Queer Fiction no Orkut.




MANIFESTO PORNO-ANARQUICO

Possuídos pelo estranho espírito Queer, nos propomos a representar, difundir e vivenciar uma Nova Sexualidade. Essa vivência se materializa no mundo através de nossa Arte, prolongamento natural de nossas idéias, de nossa carne e de nosso Caos.
O objetivo dessa imanência a qual somos um portal, essa renovação Queer, é instaurar no mundo o Novo Éden.
Para nós não valem mais quaisquer padrões estéticos comparativos ou relativistas de beleza. Abolimos terminantemente os conceitos de belo e feio estabelecidos durante os séculos, desde a Antiguidade Grega, que foram sobrecarregados pela carga da culpa da visão de mundo dos cristãos.
Renegamos também os conceitos atuais de imposição estética e sexual das Indústrias, seja ela a da Moda, a Mídia ou a Pornográfica, e também a própria visão de belo e feio e relações de gênero do movimento GLTB.

Que fique claro:
-Não há padrões, não há regras, ordem, matrizes, conceitos pré-estabelecidos, dogmas e afins que sigamos e/ou que possam nos impor algum valor para além de nossa própria opinião fundante de nossa relação essencial com a beleza, a sexualidade e a existência como um todo.
A estranheza total é o nosso referencial libertário e libertino!
O vislumbre Queer da sexualidade contém um parâmetro simples, e por isso obscuro, onde a intermediação entre o Olho e a Mão se dá pelo prazer sempre presente, ressurgente e totalmente Insurgente. Tal sexualidade, esse desejo, é caracterizado por essa permanência e pela anarquia dominante na relação de gênero estabelecida pelos Queers em sua vivência, o extravasamento e o aprofundamento de todas as possibilidades.
Uma possível estética Queer é aquela fundada no desejo sempre presente pela realização de um gozo constante, na medida do vigor individual.
Uma possível Pornografia Queer requer uma efetivação do espírito anarquista do artista, que se propõe a materializar as visões de prazer e desejo e as angústias de seu próprio âmago, demonstrar em imagens, palavras, sons e outras artes a expressão de seu eterno e criativo Caos interior.
A verdade fundante de uma pornografia-anárquica assim é a postulada pelo artista, ocultista e sensualista britânico Austin Osman Spare, que disse:

“...todas as coisas copulam entre si...”

Esta é a chave da visão Queer de sexualidade e prazer, essa é a premissa Queer do encontro sexual que arrebenta e pulveriza os portões e os muros do velho éden carcomido do rancor, da frustração e do medo humano da morte tanto quanto do sexo.
Dispensando assim as velhas correntes e despindo-nos de todas as hipocrisias e recalques, fundamos o Éden do Prazer Queer, o Novo Éden intermitente, ubíquo, conjunto e próximo de cada pessoa, de cada pênis e cada vagina, através da visão e do toque, esse modo Queer de ser no mundo.

A Pornografia é então a sagrada grafia de nossas intenções e visões... A Anarquia é o modo de estar-junto de nossas intenções e copulações... A Virtude é para nós, o êxtase sempre procurado e iminente... A Arte é este ressurgimento estranho que representa nosso ser...

Queremos e atuamos pela união revigorante e permanente daquilo que somos: TUDO, com aquilo que desejamos: TUDO, no momento em que desejamos: SEMPRE/AGORA, de forma que possamos, para além das dualidades impostas e impostoras, sermos LIVRES, SEMPRE/AGORA!

Queer Fiction

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